
Em séculos anteriores era difícil encontrar elementos do trajo português, por se encontrarem dispersos. Houve um grande esforço para juntar informações claras para o artista em relação à indumentária portuguesa. Alberto Sousa foi uma das figuras que conseguiu criar uma obra, não apenas histórica, mas cheia de ilustrações com legendas que explicam os trajos e os seus coloridos, assim como identificam os locais e épocas dos trajos populares.
Hoje em dia, verifica-se um fenómeno de aumento de trabalhos, e quanto mais cara fica a matéria-prima e a produção mais fraco fica o trabalho. Mas o público não fica indiferente às verdadeiras manifestações artísticas e não vira costas aos trabalhos belos e úteis, dando o seu testemunho para o livro de O trajo popular em Portugal.
O trajo português nos séculos XVIII e XIX

Os materiais usados dividem-se em tecidos e linhas. Os tecidos devem ser de linho ou algodão puro que, neste caso, servem para toalhas e panos. A cor mais utilizada no tecido base tem sido sempre o branco, só por volta dos anos 40 o tecido de cor viva torna-se vulgar. A partir dos anos 60, o linho branco ou beje, este último linho cru sem qualquer tipo de tratamento, volta a ser exclusivo.
Desde sempre, os bordados são mais usados em toalhas de mesa, sacos de guardanapo, naperóns e outros tipos de peças decorativas, e ainda nos lenços usados nos trajes regionais. Só mais tarde, sem data específica, o bordado se virou para o típico traje do Minho começando pelas camisas, onde se podem ver bordados nas golas, punhos e ombreiras.
As linhas usadas são 100% de algodão, relativamente grossas, o que ajuda no trabalho das bordadeiras, tornando-o mais eficaz. As cores mais comuns são o branco, o azul e o vermelho, estas últimas sempre intercaladas com o branco. Por volta dos anos 50-60, outras peças evidenciam o uso de cores e tecidos variados. Atualmente, os bordados surgem nos trajes com outras paletas nas barras das saias e coletes, mantendo na camisa os tons azuis, vermelhos e em alguns casos o branco.
No Bordado de Viana do Castelo os motivos florais e animais são os que mais de realçam. “A mulher do campo, que, por gosto ou ofício, trabalha em bordados, por mais imaginosa que seja, em principio, não cria modelos. Compõe sim, com graça espontânea e de improvisos. Inspira-se na flora e fauna da região (...)” (PIRES, A. CMVC: 2012).
Os motivos são variados e heterogéneos, como as flores “… encontramos roseiras com uvas e japoneiras com gavinhas, folhas de trevo que emergem como flores de ramos com folhas de feito, vasos que já em 1917 são corações donde saem, em vez de veias, coronárias e outras artérias, caracóis de dentes rematados em flores de japoneira.” (ABREU, A. CMVC: 2005); usam também desenhos de animais domésticos – pomba, pato, franga e o pássaro da gaiola; e ainda alguns motivos simbólicos como chaves, vasos, cruzes e corações. Os caules são usadas como elementos de ligação dos restantes componentes.

Materiais e Motivos dos Bordados de Viana do Castelo
Simboliza até um certo ponto a economia, sendo esta questão financeira essencial, não é supérfluo dizer que a algibeira minhota é imprescindível. Antes de ser um elemento etnográfico, no sentido decorativo, a algibeira foi uma bolsa de uso popular, onde as moças faziam as suas reservas de capital. Algibeiras simples – sem bordados e lantejoulas – via-se por Portugal, Espanha e Itália, nos povos mais rurais. Dentro da população mais idosa o uso era grande, com o princípio especialmente tradicionalista. O uso da algibeira era diário, mesmo que o seu destino não fosse a ida ao mercado.
Estas algibeiras possuem uma genealogia artística, que poucos reconhecem. Estas eram usadas pelas mulheres romanas no tempo de Lucilio, e foi então que começaram a ser importadas como um objeto de luxo. O seu fim e o seu desenho quase sempre se mantiveram fiéis, até finais do século XVII, quando passaram a ter uso absoluto dos fidalgos.
No que respeita ao regional, a algibeira é em forma de coração, debruada com fita de lã, e com aplicações de vidrilhos e lantejoulas, que desenham flores e folhagens. “A algibeira do «costume» de Vianna do Castello, que lhe cabe dentro em peso e medida? Quasi nada!”. A mulher guardava ou um lenço rendado, ou um espelho pequeno para arranjar as rendas do colarinho, um frasquinho de água de cheiro, um rosário ou um ramo de manjerico.

A algibeira
O que é o traje à Vianesa?
É a designação dada ao vestuário popular e rural usado pelas raparigas, - as "lavradeiras", termo que define a rapariga pela sua função de lavrar e trabalhar na terra – que se evidenciou em meados do século XIX, e que foi ganhando características próprias que distinguiram o traje de outras localidades.
Tem cores garridas, predominando o vermelho. É composto por saia de lã com riscas verticais e outros elementos decorativos, um avental em que a sua decoração é feita no tear, uma algibeira e colete decorados com bordados (missangas e lantejoulas), camisa de linho com ombros e punhos bordados. Nos pés usa chinelas bordadas e meias rendadas de algodão branco. Para completar o traje, são usados dois adereços, adquiridos no mercado: um lenço na cabeça, às vezes com um outro lenço de peito, estampados com motivos florais e cornucópias (de seda ou lã muito fina) de fabrico estrangeiro e o ouro que é usado em brincos e colares.
Ao usarmos este termo do traje à Vianesa, devemos estar atentos ao local e ocasião em que o usam. Quanto à região, o traje era usado nas aldeias que rodeiam Viana do Castelo. Apesar de semelhantes, diferenciam-se por freguesias, de Afife a Areosa, Meadela a Outeiro e de Serreleis a Vila Mou. Quanto ao uso, diferenciam-se em três tipos: traje de festa, trabalho e domingar.

Colocar o lenço do peito em Areosa

Segundo Cláudio Basto, este define um padrão geral do Traje à Vianesa: “Saia curta (aí pelo tornozelo), às listas verticais, de roda farta, pregueada miudamente na cinta, com barra larga a que chamam “forro”; avental, franzido também na parte superior; camisa branca, de mangas compridas, apanhadas nos ombros; colete que não desce na cintura; lenço traçado no peito e apertado atrás na altura da cinta; lenço trespassado sobre a nuca e atado no alto da cabeça; algibeira, que na forma lembra o coração e fica visível entre a saia e o avental; meias brancas, feitas à mão; chinelas.” (Basto 1930).
No entanto, após um padrão geral, podemos definir o mesmo padrão com modalidades formadas por três tipos, dois nas freguesias à beira-mar, Afife, Carreço e Areosa, e o terceiro no interior, em Santa Marta de Portuzelo e Perre.
Em Afife vemos o traje mais simples, saia de lã com listões vermelhos intercalados por listas pretas e brancas, na barra da saia temos a presença da cor azul-marinho; o avental é tecido de lã de fundo vermelho com listras idênticas à saia. Já os lenços apresentam cores diferentes das outras freguesias, o da cabeça é amarelo canário e o do peito é laranja.
Em Areosa, Cláudio Basto diz que “O traje de Areosa é o mais vermelho e o mais à Vianesa dos fatos”. Justificamos esta frase com o próprio traje, começa pela saia vermelha com barra também vermelha com uma ou duas silvas bordadas a algodão, missangas e lantejoulas, colete também vermelho com “cinta” preta, cor de vinho, roxa ou azul (parte inferior do colete, normalmente em veludo), bordada também com lã, missangas e lantejoulas. Os lenços são ambos vermelhos.
Indo até Santa Marta de Portuzelo, vemos o traje mais complexo. Sobressai o avental comprido e largo, onde surge quase sempre um apontamento a cor negra. Na margem superior da barra da saia vai aparecendo uma silva simples. Existe também outro traje em Santa Marta, o “traje azul”. Ambos os fatos são usados pelas raparigas em distintas ocasiões, servindo para o luto, mas também quando a rapariga casava passava a usar este último traje.
O traje de lavradeira não é apenas usado nestas freguesias, semelhantes ao de Santa Marta de Portuzelo, são usados em Serreleis e Cardielos. O traje de Perre é o traje vermelho que mais emprega o preto, sendo que Outeiro usa um traje muito semelhante.
‘’A Minhota trajada à Vianesa’’
Viana do Castelo, atualmente, é considerada a capital do folclore, onde quem lá passa consegue sentir o sabor da etnografia e a bravura de uma cultura inerente na cidade.
Desde cedo a admiração pela etnografia minhota foi alvo de estudo e de clamorosos comentários, conseguindo deste modo elevar o patamar da minhota na sociedade, prova disso é que ainda hoje está criado o estereotipo de uma mulher dura, de trabalho com personalidade forte.
O traje envergado pelas minhotas era o ex-libris da sociedade na parte superior do país, com imensos admiradores, pelas suas cores fortes, pela sua riqueza, há imensas descrições de como era albergado. Mantendo em tudo a mesma base, tinha certas diferenças conforme as freguesias do concelho. De modo geral, existia o lenço franjeiro - de lã fina e com franjas de cerca de 10 a 12 cm -, era usado na cabeça, atado na nuca com um pouco de cabelo visível e ao peito, cruzado e atado nas costas. As cores do lenço iriam variando conforme a região. A camisa, em linho branco, com mangas compridas apertadas com um punho e bordadas de padrão monocromático. O seu colete, curto pela cintura, era de fazenda colorida, com uma base de veludo na sua base de cor escura - essencialmente preta -, com apontamentos bordados, era apertado à frente como um espartilho. A saia em lã natural ou mistura, era tecida manualmente, cor uma cor de fundo predominante, listada e com riscas variadas decoradas com puxados, com um cós de 10 a 12 cm de altura, com ‘’pregas de enfiada’’, podendo ostentar bordados no cós e com uma faixa no fundo, normalmente preta, com recortes em ‘’bicos’’ onde liga com a tecelagem da mesma, podendo ser lisa ou bordada. O seu forro não deve ultrapassar o terço da altura, tendo uma abertura para ajudar a vestir, apertando com um colchete e uma fita, a altura da saia deve ser um pouco abaixo da meia da perna. O seu avental, em lã natural, era tecido manualmente num tear, teria um cós pregado de 10 a 12 cm de cintura podendo ter bordados, o corpo do avental era logo a seguir ao cós, listado e a parte inferior, muito colorida e decorada com padrões geométricos ou florais, debruado com fita de nisto onde serve para atar o avental. A algibeira, em flanela (vermelha, azul ou preta), em forma de coração, teria uma ‘’boca’’ de veludo preto e um bolso secreto, bordado com miçangas e vidrinhos. Por último, as meias, eram sempre brancas, em renda manual, de altura no mínimo até ao joelho.
O traje fez-se assim como um ícone em todo o país, vários escritores da época caracterizavam o traje como um dos pontos altos de Viana e do Minho. Sendo desde sempre o expoente máximo da etnografia, representa o povo, mas sobretudo a personalidade da mulher minhota. Com um traje alegre, conferia à mulher personalidade, dureza e verdade. Era essencialmente abordado pelas classes mais altas e digno dos mais belos elogios, foi esse o ponto que o conseguiu elevar e mostrar às comunidades internacionais.

Quando as viagens se tornaram com um tratamento face a certas ‘’maleitas’’, rapidamente o Minho se tornou a porta de abertura para conhecer Portugal. Tendo-o como o mais verdadeiro, era em Viana que se constava as tradições e costumes mais verdadeiros, não negando os seus antepassados e a sua veracidade. A Romaria da Senhora da Agonia, também terá sido um grande contributo e um elo de ligação entre a cultura e o conhecimento, sendo cada vez mais os adeptos, tinha segundo o Conde d’Aurora a sua fama principalmente devido às mulheres, onde envergavam os seus trajes, que além de alegres, chamativos pela sua cor, e pela sua riqueza, era cada vez uma visita feita pela classe mais alta da sociedade.
Com a modernização a fazer-se notar, muitas foram as personalidades (como Ramalho Ortigão, José Augusto Vieira…) que entenderam que era obrigatório preservar a beleza característica da mulher minhota. Ao descrever o seu traje tinham inerentemente que referir a sua personalidade, porque ambos se uniam, podendo diferenciar-se de todas as mulheres além mundo. A mulher minhota era uma pessoa forte emocionalmente, pois teria que manter as lidas domesticas impostas pelo seu marido, mas também era no campo essencialmente que trabalhava para conseguir o seu sustento, tendo o sexo masculino uma reputação privilegiada conseguindo uma vida mais sedentária e com menos obrigações.
É também de notar que além da constituição do traje anteriormente referido, as minhotas nunca se esqueciam do seu ouro, uma peça chave para as mesmas. Caracterizadas pela sua ‘’chieira’’ face à riqueza que albergavam, enchiam o seu peito de ouro - como um céu estrelado -, com os cordões de voltas e os seus adereços em filigrana, como corações, laça, borboletas, entre outros.
“Fazer meia ou na meia é uma das indústrias domésticas portuguesas mais usuais das mulheres do povo…”. São fabricadas com fios de lã, de algodão, de linho, de seda, à mão, com um jogo de quatro ou cinco agulhas de arame, as mulheres trabalham nisto ou sozinhas em casa ou em comunidade com outras mulheres nos serões.
“Para se fazer a meia, o fio pode simplesmente passar em volta do pescoço da mulher, ou andar-lhe preso ao ombro esquerdo por um gancho, com uma fitinha ou laço. E também pode fazer-se sem isso, ficando solto o fio”.
O trevo diz que se atreve
A trazer amores ausentes:
Eu não sou trevo e me atrevo
A tomar amores para sempre.
O uso das meias de malha começou no início do século XVI. Antigamente, os Romanos não usavam nada para se calçarem, mais tarde passaram a usar taxas nos pés e assim se calçavam. Por Portugal as meias não fazem parte do traje geral, em algumas regiões da Beira e do Minho, algumas pessoas dispensam o seu uso, por exemplo algumas crianças nem calçado usam, e os adultos usam-no sem meias.
A palavra “meias” é empregue no geral, aplica-se normalmente às compridas, ou seja às que chegam ao joelho. Às meias sem pé, que as mulheres usam no Norte chama-se de piúcas.
Alma Nova, II Série –nº19

Fazer a Meia

Geminiana Branco é uma personagem importante nesta área, na medida em que mescla os bordados com a Cruzada das Mulheres Portuguesas, pela altura da Primeira Grande Guerra. Vianense, nascida a 1 de novembro de 1887. Aos 16 anos casa com António Morais Cerqueira Lima, então Presidente da Câmara de Viana do Castelo e um dos fundadores do Sport Clube Vianense. Deste casamento nascem dois filhos, António e Margarida. Com 19 anos fica viúva e volta a casar seis anos depois com Rodrigo Luciano de Abreu Lima, que viria mais tarde a ser também Presidente da Câmara de Viana do Castelo.
Geminiana revela ser uma mulher com recursos, ligações e bastante iniciativa, uma mulher que transforma as competências das mulheres campestres numa atividade económica. Todo este percurso é feito por ela com o objetivo da partilha de princípios e valores. Por solidariedade, Geminiana ajuda então as mulheres mais pobres da cidade que, sozinhas sustentam as suas famílias. Assim, lança-se ao trabalho, ajudando-as a encontrar recursos em falta para a concretização dos seus trabalhos de manufatura.
Promove depois várias exposições por Portugal, com o intuito de fazer vingar o negócio que, para além dos bordados, também contava com produtores vinícolas. Geminiana e sua irmã, Margarida, recebem uma medalha de ouro por este certame. Em 1926, as duas irmãs expõem os seus trabalhos regionais, três anos depois participam em grandes certames espanhóis, ganhando assim uma medalha de ouro em Sevilha e uma medalha de prata em Barcelona.

Bordado de Viana do Castelo - Enquadramento Histórico
Ilustrador e Aguarelista (1880 – 1961)
Foi aluno na Escola de Belas Artes de Lisboa, em 1903 entrou para a Ilustração Portuguesa, a revista semanal do jornal diário de Lisboa O Século. Pouco tempo ficou na revista, passou depois a ilustrar publicações de vários jornais. Expôs pela primeira vez em 1901, no Grémio Artístico. Em 1913 teve a sua primeira exposição individual, começando por volta dos anos 20 a expor com regularidade.
Começou a colecionar documentos iconográficos de indumentária portuguesa, apenas dos séculos XVIII e XIX, dos quais acabou por publicar um volume com os mesmos. Sem lisonjear a fantástica publicação desta obra, devemos a Alberto de Sousa a pintura de alguns postais com trajes dos Minho.
As ilustrações do Trajo Popular por parte de Alberto de Sousa contam a história do vestuário do povo, bonitos quadros executados por alguém que possuía uma profunda educação estética.
Alberto de Sousa

